por Dr. José Ruguê Ribeiro Júnior
Sendo tão antigo quanto os Vedas, o Ayurveda remonta a períodos anteriores à história conhecida do homem na Terra. Mas, felizmente, não é uma ciência de interesse apenas arqueológico hoje em dia. Ayurveda é ciência e arte ao mesmo tempo, original em si mesmo e baseado na experiência prática e em cuidadosos métodos de investigação perseverantemente realizados por grandes Sábios do passado remoto, que eram portadores de profunda intuição, a qualidade espiritual desenvolvida por longas práticas de meditação e todos os demais métodos do Yoga.
Portanto, podemos dizer que a origem do Ayurveda é divina e humana ao mesmo tempo. Divina porque os Grandes Sábios que governam a evolução dos mundos, portadores de Sabedoria infinita, vivendo em planos de infinita Glória, eternos Guardiões da Humanidade e de todas as formas de evolução, inspiraram o conhecimento do Ayurveda assim, como, de acordo com a tradição, Eles mesmos se encarnaram neste mundo, na forma de Avataras como Dhanvantari, Bharadwaya e Kashyapa, para revelarem os métodos de manter o corpo, com seus Doshas, Dhatus e Malas, o Prana, a Mente, o Intelecto, a Alma e o Atma em profunda harmonia, para que o ser humano possa acessar sua potencialidade infinita.
Por outro lado, o Ayurveda também tem como base um acurado método de análise, baseado nos mecanismos de obtenção do conhecimento, experimentação e raciocínio, provenientes dos Sistemas Nyaya e Vaisheshika – também sistemas vêdicos, que, sem dúvida, originaram a metodologia que é a base da filosofia e da ciência ocidentais modernas.
Os arqueólogos, nos últimos séculos, movidos por outros interesses, têm tentado nos fazer acreditar que o povo autóctone da Índia produziu apenas um método primitivo de cultura e que a grande Cultura Vêdica proveio da raça ariana invasora do norte da Índia, de onde surgiu este impressionante acervo muito avançada em termos de literatura, lingüística, astrologia, matemática, ciências, conhecimentos sobre a mente humana, concepções absolutamente avançadas sobre a Divindade e sua relação com o Universo e o ser humano.
Vários pesquisadores têm demonstrado, de forma irrefutável, a existência de uma civilização anterior à história atual da Índia, que se desenvolveu nos vales do Rio Saraswati, aproximadamente de 70000 a 90000 anos antes de Cristo, no norte da India, que incluía o Nepal, Paquistão, Afeganistão, vários outros países próximos e regiões submersas nas margens dos oceanos em torno do subcontinente indiano. As ruínas de Mohenjo Daro e Harapa demonstram uma civilização muito avançada, com ruas calçadas, água encanada e uma população em torno de 40.000 habitantes. As primeiras histórias védicas descrevem esse povo, sua organização, rituais, e modo de vida. Dai surgiram os Vedas e os acontecimentos da história do Ayurveda que vou contar em seguida.
Provavelmente cataclismos de grandes proporções foram secando o Rio Sarasvati, como os próprios textos antigos contam e a população foi migrando para as margens do Ganges e para o sul.
Então, eu gostaria de convidar aos leitores para desfrutarem de um breve resumo de como um dos principais textos do Ayurveda, chamado Bhávaprakásha escrito por Bhávamishra, classificado como parte da trilogia menor – laghu traya – conta a história da origem nos planos celestiais, com o estilo utilizado pelos Puranas, ou seja, histórias que personalizam forças, que descrevem guerras entre os deuses e que os torna bem carregados de todas as “qualidades” humanas, mas que, representam importantes aspectos de nossa natureza, das forças universais e do processo pelo qual o universo e o ser humano passam por ciclos de luz e obscuridade.
Assim descreve Bhavamishra:
Eu vou descrever primeiro o advento do Ayurveda neste mundo e seu gradual progresso na Terra. Após aprender isto, devemos estudar os vários tratados.
A ciência na qual são descritos a vida, aquilo que é apropriado e não apropriado (alimentos, atividades, etc.) e as doenças – suas causas e tratamentos – isso é chamado Ayurveda. (vejam que bela definição – nota do Dr. Ruguê)
O Senhor Brahma, criador de todas as coisas, foi o primeiro a propagar o Ayurveda – a essência do Atharva Veda e escreveu, nos planos divinos seu próprio Brahma-Samhita, com 100.000 versos.
Em seguida, Brahma, o oceano de conhecimento, ensinou essa Ciência, com todas as suas minúcias a Daksha Prajapati, aquele que é eficiente em todas as atividades.
Por sua vez, o hábil Daksha, ensinou a Ciência da Vida aos Dasras (gêmeos Ashvini Kumaras), que nasceram do Sol e são os melhores entre os deuses. Estes compuseram seu próprio tratado (Ashvini Samhita) que é de grande benefício para todos os médicos, aqueles que se ocupam da arte da cura, para aumentar seu conhecimento e habilidades.
Durante a batalha dos devas (deuses) contra os asuras (demônios), os devas sofreram muitos ferimentos e, somente os Ashvinis os curaram. Rigidez nos ombros de Vajri (Indra) foi tratada pelos Ashvinis. Chandra (o deus Lua) que tinha perdido o privilégio de partilhar soma – o néctar da imortalidade – ficou feliz novamente pelas terapias dos Ashvinis. …… . Por estes e outros feitos similares, os Ashvinis se tornaram os melhores médicos, reverenciados ainda por Indra e outros deuses. Então, Shacipati (Indra), observando estes atos benéficos dos Ashvinis pediu a eles que lhe ensinassem Ayurveda.Eles, contentes, ensinaram esta arte a Indra. (até aqui o Ayurveda ainda estava nos mundos celestiais – nota do Dr. Ruguê).
Agora, a história já continua na Terra:
Então, o reverenciado Bharadwáya (uma destes seres encarnados no mundo, mas que têm características divinas, como se vê na história de todos os povos – nota do Dr. Ruguê) sentindo as dificuldades dos seres deste mundo sofrendo de tantas variedades de doenças ponderou: “O que eu farei? Aonde eu vou? Como eu posso fazer esse mundo livre das doenças? Eu não posso vê-los sofrer, tenho o coração muito benevolente, portanto isso é muito doloroso para o meu coração também. Então, vou estudar Ayurveda para fazer as pessoas do mundo livres da dor (doença)”. Assim decidido, o Sábio Bharadwaya foi ao céu e disse a Indra:
“Oh Devaraja! Você não é somente o Senhor do Céu. Vidhata (Brahma) fez de você o protetor de todos os três mundos. E, no mundo físico, as pessoas estão sofrendo de doenças, e suas mentes estão plenas de aflições e sofrimentos. Então, conceda sua graça a eles, ensinando Ayurveda, como resultado de sua compaixão.”
“É dito que o corpo é a causa (meio ou veículo) para a obtenção de Dharma (realização dos talentos), Artha (prosperidade), Kama (felicidade) e Dharma (libertação) – os objetivos principais da vida. O sucesso na obtenção dos purusharthas só pode ser obtido quando o corpo está livre de doenças. Mas agora nós vemos doenças aqui, ali e em todas as partes, o que está destruindo o desempenho na prática meditativa, penitências, dedicação aos estudos, o reto modo de viver, a observância do celibato, os ritos religiosos e também a vida em si mesma...”
Então, Bharadwája ensinou metodicamente Ayurveda aos Sábios e todos eles, obtiveram longa vida, livre de doenças. A serpente Shesha, na qual Vishnu está recostado, tendo, também aprendido todos os Vedas, inclusive Ayurveda como parte do Atharva Veda, percorreu o mundo, vendo as pessoas aflitas com as doenças e as misérias. Resolveu também nascer no mundo, e se encarnou como filho do famoso Sábio Visuddha, bem versado nos Vedas. Como ninguém conhecia sua real morada, estando em diferentes lugares, foi chamado Charaka (peregrino). Daí, portanto, a origem do famosíssimo Charaka ou Charakacharya, que reuniu os textos escritos na época e com seus profundos conhecimentos de Ayurveda, compôs o Charak Samhita, texto fundamental do Ayurveda, que chegou até nós, bastante fragmentado, mas que serve como a base principal de todos os aspectos da Clínica Médica Ayurvédica, diagnóstico, mecanismos das doenças, tratamentos, toxicologia, ervas, rejuvenescimento e outros.
Da mesma forma, Dhanvantari, manifestação de Vishnu, encarnou neste mundo na forma de Divodasa e se tornou o rei de Kasi – Varanasi . Teve vários discípulos, entre eles Sushruta, que compôs outro famoso texto, também base dos estudos de Ayurveda por séculos e séculos, denominado Sushrut Samhita, dando ênfase maior aos procedimentos cirúrgicos, que chegarama ser muito avançados na época.
Esta é, de forma muito resumida, a origem do Ayurveda neste mundo. Percebe-se que é o fruto da Graça Divina, manifestação de Sua benevolência e compaixão, utilizando como instrumento seres muito especiais, Sábios que se encontram em um nível de inteligência, sabedoria, amor e ética universal muito acima de nossa evolução comum. Por esta razão, Ayurveda é Sanátana ou eterno, uma herança de toda a humanidade e para toda a humanidade.
Reverência a todos estes Grandes Seres.
Dr. José Ruguê Ribeiro Júnior
Artigo publicado na Revista Prana Yoga Journal
Nenhum comentário:
Postar um comentário